Em: 14/04/2023 Compartilhar: Facebook

UM RELATO SOBRE O TIRADENTES

Por Juvenal Pedro Cim 

Persistentemente enigmático e incompreendido Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, é nosso herói e mártir da Independência do Brasil.

A vida pessoal de Joaquim foi atribulada e cheia de sucessão de mudanças. Joaquim nasceu em 1746, na Fazenda Pombal, de propriedade de seu pai, Domingos da Silva dos Santos, o sobrenome Xavier veio de sua mãe, Antônia da Encarnação Xavier. Tinha seis irmãos. Ainda existem as ruínas da Fazenda Pombal, que na época pertencia a cidade de Vila Rica, e que hoje é o município de Ritápolis-MG. Nesta época Vila Rica (atualmente Ouro Preto) possuía uma população de 79 mil habitantes. Aos 09 anos Joaquim perdeu a mãe e aos 11 anos morreu o pai. A família de Joaquim se dispersou, 02 irmãos foram para o Convento e tornaram-se Padres. Outro irmão e as três irmãs restantes não há registro que indique o que terá acontecido com eles.

Assim, naquela época o seu padrinho Sebastião Ferreira Leitão começou a ensiná-lo “a arte de tirar dentes”. Joaquim não teve acesso ao ensino formal, mas aprendeu a ler e a escrever, coisa rara no Brasil colônia. Apesar disso sua caligrafia era uma das melhores em relação a de seus conterrâneos.

Ele fabricava e implantava dentes, possuía uma oficina de prótese, além de extrair dentes, foi mascate, tocava violão e cantava. Como mascate conheceu todos os caminhos de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Tinha pacientes em vários lugares, inclusive na cidade do Rio de Janeiro.

Em 1775, com 29 anos de idade, Joaquim José da Silva Xavier entrou na tropa dos Dragões não como soldado, mas já como oficial Alferes, o posto mais baixo do oficialato. Ao alistar-se Joaquim deu início a um período de profundas mudanças em sua vida. Extrair dentes não lhe sustentava e a atividade de mascate lhe arruinara. 

Aos 40 anos se juntou com Antônia Maria do Espírito Santo, ela tinha 16 anos, com quem teve uma única filha, chamada Joaquina. Ele morava com a esposa em uma casa alugada no centro de Vila Rica apesar de possuir um lote na cidade. Também tinha uma fazenda chamada de “Rocinha da Negra”, em terras devolutas, e era dono de seis escravos. Na sua fazenda construiu casas, senzalas e um engenho movido a água para fabricação de farinha. Começou a criar gado e garimpava ouro.

Na segunda metade do século XVIII (1750) surge o Iluminismo, com suas bandeiras de contestação da origem divina dos reis. Esse movimento influenciou a Revolução Americana, a Revolução Francesa, o Tratado de Madri, a República e o mundo viu surgir um novo agente político, o cidadão.

Os Governadores do Brasil Colônia eram todos intoleráveis, despóticos e corruptos. O futuro de Tiradentes parecia traçado: criar Joaquina, sua filha, casar-se com Antônia, desfrutar da boa convivência com a família, tocar a carreira militar, ir aumentando o seu patrimônio com a produção de ouro e gado na sua fazenda, ou seja, uma vida pacata, confortável e talvez feliz.

Na década de 1780 surgiu uma destemida geração de estudantes brasileiros na Universidade de Coimbra (Portugal), que começaram a conspirar contra a Coroa portuguesa, visando a independência do Brasil. Com 53 estudantes inscritos em Coimbra entre 1780 e 1789, tendo a frente como José Alvares Maciel, José Mariano Leal, Domingos Vidal de Barbosa Laje, Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, José Joaquim Maia e Barbalho, entre outros.

Ao concluir o curso de Matemática em Coimbra, em 1785, José Joaquim Maia e Barbalho, não voltou ao Brasil, sua permanência na Europa tinha um objetivo:  ele seria o enviado secreto para negociar o apoio externo para uma revolução republicana no Brasil. Naquele mesmo ano ele se matriculou na Escola de Medicina da Universidade de Montpellier, na França. No dia 02 de outubro de 1786 escreveu uma carta a Thomas Jefferson, Embaixador dos Estados Unidos da América, na França, e um dos chamados “Pais Fundadores dos Estados Unidos”.

Thomas Jefferson era uma lenda entre os candidatos à revolucionários. Foi ele o autor da Declaração da Independência dos Estados Unidos da América, onde em um trecho dizia: “todos os homens são iguais, sendo-lhes conferido pelo seu criador certos direitos inalienáveis, entre os quais se contam a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. Ele foi também duas vezes presidente dos Estados Unidos da América. Quando foi para a França levou um escravo pessoal para fazê-lo um chef de cuisine. Deu certo, pois quando voltou aos Estados Unidos o escravo chamado James Hemings
introduziu no cardápio norte americano o foie gras, o crème brûlée e a batata frita, que por sua causa seria batizada de french fries.

No início de 1787 Tiradentes pediu uma licença remunerada de dois meses. Ele tinha planos de voltar para a estrada, mas neste caso seu destino era o Rio de Janeiro, seu velho conhecido. Após o período de licença requereu novo período agora para viajar para Lisboa, para resolver “pendências familiares”. Joaquim não tinha coisa alguma a tratar m Portugal. Não há registro que esclareça o mistério da viagem. Neste período José Alvares Maciel chegou ao Rio de Janeiro, capital da colônia, após os estudos em Coimbra. Trouxe consigo muitos livros, entre os quais “Leis Constitucionais dos Estados Unidos”, o famoso “Recueil”, que posteriormente deu de presente a Tiradentes.

O encontro de Tiradentes com Maciel causou um grande impacto no primeiro pois Maciel tinha dado ao Alferes as ferramentas necessárias para intensificar o recrutamento de rebeldes para o movimento da Inconfidência e Tiradentes tratou de voltar logo a Vila Rica.

O regresso de Tiradentes para Minas Gerais era também o retorno para a vida familiar, que deixara um ano e meio antes. No entanto, antes de se separar da esposa Antônia, Tiradentes procedeu uma partilha informal dos seus bens, onde deu a ela “vários trastes” e o terreno da rua da Ponte Seca. 

Joaquim José da Silva Xavier tinha consciência de qual era a sua posição na escala social entre os conspiradores. Diferentemente da grande maioria de seus camaradas, ele não era rico, nem ingressara em uma família poderosa pela porta do casamento. Ele definia a si próprio como “figura nem valimento, nem riqueza”. Contudo, entre todos os rebeldes ele era de longe o mais empenhado tanto que levava o livro “Recueil” para todos os lados e era o seu guia da revolução.

Em 26 de dezembro de 1788, na casa do Tenente Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade foi realizado a mais importante das reuniões dos rebeldes em Vila Rica. Todos acreditavam que a derrama seria decretada o mais tardar em fevereiro de 1789.

Contratador era a pessoa nomeada pela Coroa para efetuar as cobranças do quinto do ouro e demais impostos na Colônia, normalmente por um período pré-determinado.

Entre os rebeldes havia um ex-contratador Joaquim Silvério dos Reis, que conhecia detalhes dos planos revolucionários, inclusive o possível assassinado do Governador de Minas Gerais, o Visconde de Barbacena, Luiz Antônio Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro. Entre as nove pessoas que mais deviam à Coroa, Joaquim Silvério dos Reis era o quinto maior devedor da fazenda, e para livrar a sua
dívida estava disposto a contar tudo o que sabia. Joaquim Silvério dos Reis já não era um rebelde, tornara-se um traidor.

No início de 1789, Tiradentes precisava voltar ao Rio de Janeiro, para isso necessitava de uma nova licença dos Dragões que lhe foi concedida e a justificativa que ele deu para a viagem foi a de resolver seus projetos hídricos, pois tinha formulado projetos de canalização dos rios da cidade. Na verdade ele foi ao Rio de Janeiro para “fazer a República do Rio de Janeiro primeiro”. Já que em Vila Rica não saía a derrama e nem a revolução. Sem derrama o líder da Revolução, Tomás Antônio Gonzaga desabafou: “a ocasião para isso se perdeu”.

Após a traição de Joaquim Silvério dos Reis, Tiradentes foi preso no Rio de Janeiro, em 10 de maio de 1789, onde o comentário geral era de que os presos estavam envolvidos em um caso de inconfidência, isto é, de traição contra a sua Majestade. Dos 34 acusados um único nome sempre esteve presente em todas as delações e confissões: Joaquim José da Silva Xavier.

Em 18 de janeiro de 1790, na fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, começou o depoimento e a devassa contra a Inconfidência, seriam 11
depoimentos e interrogatórios. Todo o trabalho do julgamento foi uma farsa. Após a  defesa apresentada pelo Doutor José de Oliveira Fagundes, advogado da Santa Casa de Misericórdia, que fornecia auxílio espiritual e material aos necessitados que incluía os presos o processo contra a Inconfidência hibernou por 05 meses.

No início de abril de 1792, dos 31 réus da Inconfidência, já que 03 haviam morrido durante o cárcere, somente 11 tinham sido levados para a sala do
Oratório, sendo Tiradentes um deles.

Em seguida houve um ato religioso presidido por 11 Frades Franciscanos que acompanharam os prisioneiros. Terminado o ato religioso o escrivão começou a ler a sentença que era a seguinte: os 11 réus que ali estavam pagariam por seus crimes com a vida, sendo enforcados. Os demais 08 seriam degradados e outros 08, por serem inocentes seriam postos em liberdade. Os 05 réus eclesiásticos sabia-se que tinham sido
condenados, mas suas penas não foram divulgadas, mas todos enviados a Lisboa, mais uma estranha manipulação do processo.

Logo após a leitura da sentença, o advogado dos condenados pediu aos magistrados o direito de recorrer, o que foi atendido. Em 24 horas ele compôs a segunda defesa dos réus, com o objetivo de evitar que eles fossem levados à forca, substituindo a punição pelo degredo perpétuo. O apelo foi inútil.

Antes que o caos se instalasse na sala, o escrivão avisou que tinha um segundo comunicado a fazer e começou a ler a carta da Rainha Maria I, que comutava as penas de morte em degredo para toda a vida, menos para Joaquim José da Silva Xavier, o único rebelde que havia pregado a revolução publicamente.

Todo o trabalho da alçada tinha sido uma farsa. A carta lida de D. Maria fora redigida um ano e meio antes. E todos sabiam que o chefe do governo
revolucionário seria Tomás Antônio Gonzaga, que era a liderança intelectual e moral da Inconfidência.

Sábado 21 de abril de 1792, o Rio de Janeiro amanheceu sob forte aparato militar e Tiradentes foi levado para a morte. Ele foi enforcado e depois
esquartejado e nunca se soube o destino do que restou da cabeça e das demais partes do seu corpo. Os 16 conjurados que pereceram no degredo estão sepultados no Panteão do Museu da Inconfidência, em Ouro Preto-MG.

Em 1890, após a proclamação da república, ele foi retratado em imagens com barba e cabelos longos, mas segundo o historiador inglês Kenneth Maxwell é impraticável descrever os aspectos físicos de Tiradentes.

O livro “Recueil” que serviu de guia da Revolução para Tiradentes foi confiscado pelo Visconde de Barbacena e juntado a montanha de provas. Por 70 anos ficou esquecido dentro de um saco verde. Em 1860, foi levado para Florianópolis-SC, onde ficou na biblioteca pública por 124 anos, até por fim, em 1984, retornou a Ouro Preto-MG.

Dois anos após a morte de Tiradentes, os rebeldes já eram abertamente apontados como vítimas de injustiças.

Tiradentes é, oficialmente, patrono cívico do Brasil.

Bibliografia:
- A Devassa da Devassa - Kenneth Maxwel, Editora Paz e Terra – 6a edição
- O Livro de Tiradentes – Kenneth Maxwel, Penguin – 1a edição
- 1789 – Pedro Doria, Editora Nova Fronteira – 1a edição
- O Tiradentes – Lucas Figueiredo – Companhia das Letras – 1a edição
- História da Riqueza no Brasil – Jorge Caldeira, Estação Brasil – 1a edição